Acertos, desacertos e desconsertos no
pacotão anticrime do Moro
Por
Luiz Flávio Gomes*
Dentre outras, vejo como problemáticas ou discutíveis as
seguintes medidas ou omissões contidas no pacotão anticrime:
1) Regime inicial em regime fechado obrigatório em todos os
casos de reincidência ou de crime habitual ou reiterado ou
profissional. O STF tem jurisprudência pacífica que não
permite que a lei fixe regime inicial fechado obrigatório.
Deve-se respeitar o princípio da individualização da pena.
Todo tipo de reincidência iria obrigar o regime fechado? E
se o crime anterior é culposo? Esse dispositivo tem
potencial para explodir a população carcerária, porque quase
80% dos egressos voltam a delinquir.
2) Regime inicial fechado obrigatório nos crimes de
corrupção e peculato. São crimes que merecem dura
reprovação, mas o STF tem jurisprudência pacífica que não
permite que a lei fixe regime inicial fechado obrigatório.
Essa mesma observação vale para o roubo cometido com arma de
fogo ou explosivos. Nesses crimes há agora previsão de
perdimento de bens, o que é muito adequado.
3) Silêncio quanto aumento de pena para políticos envolvidos
com tráfico de drogas, milícias ou crimes contra a
Administração Pública. O político é eleito para proteger a
sociedade, não para cometer crimes contra ela, juntando-se a
traficantes, milicianos (grupos paramilitares) ou com as
elites bandidas do poder econômico e financeiro. Sua pena
deveria ser dobrada.
4) As medidas de endurecimento penal, em regra, não reduzem
a criminalidade, quando não acompanhadas de políticas
públicas de educação para este fim e da certeza do castigo.
Prevenção do crime se alcança com educação obrigatória para
todos, em período integral, até os 18 anos. Sem educação de
qualidade para todos, em período integral, até os 18 anos,
toda política criminal no Brasil tem resultado em fracasso.
Já foram 180 reformas penais de 1940 até hoje. O pacotão ora
em debate seria a 181ª lei penal. Nunca uma lei penal
diminuiu qualquer crime no Brasil.
5) As medidas propostas não costumam reduzir a impunidade,
salvo quando acompanhadas de políticas públicas de
infraestrutura para a polícia judiciária (que investiga os
crimes). Sem melhorar as polícias os índices de apuração dos
crimes continuarão baixos (cerca de 10% a 20% nos
homicídios, por exemplo).
6) Todo tipo de acordo penal deve ser gravado para que o
juiz possa verificar sua legalidade. Falta essa previsão.
7) A reforma deveria ter dado tratamento especial aos crimes
cometidos mediante o uso de explosivos. É previsível que
essa modalidade de crime vai crescer enormemente no nosso
país. São atos de terrorismo, que tendem a se repetir
frequentemente.
8) Ausência de previsão mais específica acerca do
monitoramento do dinheiro, particularmente nos crimes contra
a Administração Pública, financeiros, econômicos, sonegação
fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
9) Execução da pena em segundo grau por lei ordinária e não
por Emenda Constitucional. É indispensável que haja execução
da pena após a decisão em segundo grau. Sou totalmente
favorável, nos termos da Convenção Americana que diz que a
presunção de inocência é derrubada depois dessa etapa. Temos
que conceituar o que se entende por coisa julgada, via
Emenda Constitucional. A disciplina do tema via lei
ordinária vai permitir que a polêmica continue. Não é
correta a execução provisória da pena. Ela tem que ser
definitiva.
10) Execução da pena após condenação no Tribunal do Júri. O
Tribunal do Júri é órgão de primeiro grau. Contra suas
decisões cabe recurso para revisão dos fatos e das provas.
Somente quando os fatos e as provas são analisados duas
vezes é que cai a presunção de inocência. Após a decisão de
segundo grau deveria ocorrer a coisa julgada,
estabelecendo-se que todos os recursos posteriores são ações
rescisórias constitucionais.
Dentre outros, vejamos alguns acertos:
1) Tipificação do Crime de Caixa Dois (eleitoral), sem
anistia dos crimes anteriores. O crime previsto no art. 350
do Código Eleitoral continua intacto (fazer declaração falsa
para a Justiça Eleitoral). O novo crime incrimina condutas
paralelas à contabilidade. É o famoso “por fora”. O novo
crime envolve caixa dois e caixa três (quem paga por fora
diretamente despesas com gráfica, por exemplo). Pena de 2 a
5 anos de reclusão. Todos que colaboram para o crime do
candidato também serão responsabilizados, incluindo as
pessoas do partido que tenham agido dolosamente. A pena é
aumentada de 1/3 a 2/3 se algum agente público concorrer
para o crime.
2) Nos crimes hediondos ou equiparados (tortura, tráfico ou
terrorismo) que envolverem a morte da vítima (latrocínio,
homicídio qualificado), a progressão de regime agora exige
60% da pena (contra 40% anteriormente). Correto o aumento
(estamos falando de vida humana). Mais: o condenado tem que
ter mérito (bom comportamento carcerário) e condições
pessoais favoráveis (voltou a exigência do exame
criminológico).
3) Novas regras dificultando a impunidade via prescrição
penal. Agora, enquanto pendentes embargos de declaração e
recursos nos Tribunais Superiores, estes quando
inadmissíveis, não mais corre prescrição. A reiteração de
embargos para ganhar tempo de prescrição acabou. Outra
novidade: não só a sentença (o anteprojeto esqueceu de dizer
condenatória), senão também o acórdão (do tribunal)
interrompe a prescrição (toda contagem volta a zero). Esse
acórdão, evidentemente, tem que ser condenatório.
4) Aumento de ½ da pena nos casos de crimes relativos a
armas de fogo. Esse aumento só vale para integrantes de
empresas de segurança ou para quem possui antecedente
criminal com condenação transitada em julgado. Pode o crime
ser de porte ilegal ou posse ilícita, pouco importando se a
arma é de uso restrito ou não.
5) Acordo de não persecução penal entre Ministério Público e
autor do fato. Esse acordo só pode ocorrer quando a pena
máxima for inferior a quatro anos (art. 28-A, caput). No §
1º o anteprojeto fala em pena mínima inferior a quatro anos.
Há um conflito entre tais dispositivos. O correto é o
segundo. Trata-se de uma suspensão da denúncia, via acordo
extrajudicial, com presença de advogado, que depende de
homologação do juiz. Se o réu cumprir todas as condições
acordadas, extingue-se a punibilidade, sem criar antecedente
criminal. Compete ao juiz fiscalizar a proporcionalidade,
legalidade e voluntariedade do acordo. O ideal seria gravar
o acordo (facilitando-se a fiscalização da sua lisura).
6) “Plea bargain” (sistema americano tropicalizado). Exige
recebimento da denúncia. É o acordo para a aplicação
imediata da pena, cabível em todos os crimes (teoricamente).
Nos casos da lei Maria da Penha há Convenção Internacional
impedindo o acordo. Após a confissão confirmada perante o
juiz, uma série de benefícios podem ser acordados entre as
partes, sendo determinante a rápida solução do processo. Há
previsão da reparação dos danos à vítima. Só a confissão
judicializada derruba a presunção de inocência. Compete ao
juiz verificar a razoabilidade da pena proposta, legalidade
do acordo assim como a existência de outras provas. São
aplicáveis os princípios da suficiência da pena, da
proibição de excesso e da vedação da proteção deficiente. Se
o réu for reincidente, a pena será iniciada em regime
fechado.
7) Regulamentação do uso da videoconferência na instrução
penal. Passa a ser regra geral, salvo quando houver
impossibilidade técnica de fazê-la. Em todos os atos em que
o réu preso deva participar, cabe videoconferência.
8) Informante do bem (informante colaborador). Isso vem do
direito anglo-saxão. Se chama Whistleblower. Nos crimes
contra a Administração Pública (corrupção, peculato etc.),
premia-se o informante que colaborar com a Justiça (com até
5% do valor recuperado pela Administração Pública). O
informante será protegido e não pode sofrer qualquer tipo de
retaliação ou responsabilização. Sua identidade será
preservada, salvo quando ele mesmo autoriza sua revelação.
Ninguém será condenado só com base nessa informação.
9) Restrição das saídas temporárias (“saidinha”). Nos casos
de crimes hediondos, tortura e terrorismo (o anteprojeto não
fala em tráfico de drogas) acabam as saídas temporárias. A
medida é acertada.
10) Endurecimento contra o crime organizado. Lideranças
armadas das organizações criminosas iniciarão o cumprimento
da pena em regime fechado (o STF não tem admitido isso, por
força do princípio da individualização da pena). O preso não
poderá progredir de regime quando mantém vínculo associativo
com a organização ou associação criminosa.
11) Admissão de acordo nos casos de Improbidade
Administrativa. Trata-se de medida acertada, mas faltou
prever a obrigatória participação (em qualquer caso) do
Ministério Público.
*LUIZ FLÁVIO GOMES, O Seu Deputado Federal Contra a
Corrupção.
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